Cabinet War Rooms: 5 curiosidades sobre o bunker de Winston Churchill em Londres

Quem é curioso sobre a Segunda Guerra Mundial pode querer reservar um tempo para desbravar a herança do conflito por Londres, já que a capital inglesa, apesar de nunca ter sido invadida (embora por pouco), foi um dos maiores centros de resistência e comando contra a invasão nazista. Há vários tours pela cidade contando um pouco desse legado, mas uma das visitas mais interessantes é o Cabinet War Rooms – o bunker de onde Winston Churchill, o primeiro ministro inglês que liderou a Grã Bretanha durante a guerra.

Ali era o centro nervoso de informações e de comando, e hoje foi convertido em um museu, sob os cuidados do Museu Imperial de Guerra. Eu acho ele fantástico – para quem gosta de história, é um prato cheio, até porque o bunker ficou em desuso assim que a guerra acabou, e muito do que é visto hoje é muito parecido com o que foi usado, realmente, nos anos 40. É quase como voltar ao tempo! 

A presença da imagem de Churchill em todo o Cabinet War Rooms é muito forte, quase muito íntima – o que é normal, é esperado que os locais de trabalho reflitam o comando dos seus líderes. Mas como a guerra não é feita por um homem só, o museu teve cuidado de preservar e contar também partes da história pelas vozes e experiências das várias pessoas que trabalharam lá. Isso deu um toque mais humano ao bunker, e eu acho que é o que torna o passeio mais legal. Eu separei algumas das principais curiosidades do passeio e as histórias das pessoas que viveram nesses cômodos, bem como as marcas que deixaram, e conto aqui. Espero que dê para instigar a vontade de conferir de perto quando você vier por Londres!

Curiosidade 1: O Centro de Comando e o mistério das bitucas roubadas

A primeira sala que vemos assim que entramos no Gabinete de Guerra é essa – o centro de comando. A gente vê tudo por uma janela, que só foi colocada posteriormente quando transformaram o espaço em museu: antes disso, eram só paredes, tudo para deixar as decisões e informações ainda mais seguras e confidenciais.

A sala ainda conserva uma atmosfera bem próxima a da época da guerra.  Aqui, os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica se reuniam com o Churchill e o comitê escolhido pelo presidente para tomar as decisões que poderiam mudar o curso da guerra.  Vale lembrar que, no seu primeiro discurso ao assumir o cargo de Primeiro Ministro em 1940 para tomar nas rédeas o comando da II Guerra Mundial, Churchill anunciou que deixava as divergências políticas de lado e formaria um comitê nacional do governo com membros de todos os partidos para lutar contra a Alemanha de Hitler. Ou seja, não era o momento para políticas, mas unidade.

Curiosidades:

  • As reuniões costumavam varar à noite, em uma sala totalmente fechada, sem janelas (ou banheiros), abafada e na base de cigarros e charutos para acompanhar as longas decisões – tudo em nome do segredo de estado. Hoje não é possível entrar na sala, mas dá para ver, pela janela, alguns traços das reuniões e decisões angustiantes que se passavam ali: por exemplo, os braços da cadeira de Churchill estão cheios de marcas de unhas.
  • As secretárias responsáveis por digitar as decisões tomadas na sala e encaminhar imediatamente aos departamentos responsáveis também trabalharam sob vigilância máxima: muitas só contaram para suas famílias sobre o seu trabalho durante a guerra mais de 30 anos depois.

Curiosidade 2: Royal Marines, risco de invasão… e bordados!

No início de 1940 as chances de invasão pelo exército alemão ainda eram consideradas relativamente remotas – mas ainda assim, o bunker de Churchill foi planejado considerando essa possibilidade. Porém, em maio do mesmo ano as forças alemãs fizeram uma forte ofensiva, e os ingleses foram obrigados a se retirar numa operação desesperada (quem gosta de história da guerra e quiser saber mais, uma dica é ver o filme Dunquerque, do diretor Christopher Nolan). A partir daí, a possibilidade de uma invasão alemã (e a chance de perder a guerra) ficou muito, muito próxima.

Por causa disso, algumas medidas foram tomadas. Na própria cidade de Londres, alguns túneis da linha Central (vermelha) de metrô haviam sido convertidos em uma fábrica secreta de munição, que seria usada no caso de uma resistência em terra ser necessária, se os alemães conseguissem derrotar a força aérea britânica. Uma camara extra de proteção foi adicionada no teto do bunker (apesar disso, o bunker nunca ficou 100% à prova de bombas – um impacto direto destruiria a estrutura mesmo assim). Um quarto entre a sala de mapas e outro departamento foi totalmente preenchido de concreto para aumentar a proteção contra bombas (e anos depois faria a equipe do museu levar 3 meses perfurando um túnel nesta sala para permitir que turistas se deslocassem melhor pelo museu). Por fim, Marines trabalhavam fazendo a segurança do bunker – um ficava do lado de fora da sala do Centro de Comando durante as reuniões, e um outro ficava do lado de dentro (como uma última barreira de resistência, caso a invasão realmente acontecesse). Até 1944, o bunker chegou a ter 60 marines mantendo a segurança. Armas estavam colocadas em vários pontos do bunker também, e hoje é possível ver alguns dos códigos dos alarmes que soavam (ou soariam) em caso de bombardeio, ataque ou invasão, bem como ver que os corredores do bunker não tem paredes planas, e sim cheias de alcovas – essas seriam barreiras para os marines se protegerem de balas se a invasão acontecesse!

Curiosidades:

  • Como as reuniões nos Centros de Comando da Guerra demoravam horas e horas, e os marines ficavam a postos em pé do lado de fora, era comum vê-los “adotando hobbies” para passar o tempo. Um dos relatos que há no museu é que um dos soldados ficou famoso por fazer bordados – ele costumava ser visto trabalhando numa capa de almofada, bordando flores de papoula, uma flor que é o símbolo militar inglês da lembrança dos mortos na guerra.
  • Outro rumor – mas esse nunca foi confirmado – é de que alguns marines que ficavam na sala de comando “roubavam” as bitucas de charutos de Churchill depois das reuniões para vendê-las como souvenir “de um herói de guerra”!
  • Os outros funcionários do bunker também tinham lá suas formas de diversão. Já que lá embaixo havia uma escassez de jogos ou itens para se divertir, era comum eles jogarem rolos de papel higiênicos pelos corredores para apostarem em qual desenrolava mais rápido. O negócio é se divertir com o que pode e como dá!

Curiosidade 3: Telefones, Pato Donald e banheiros

No corredor principal do Bunker, é possível ver uma porta escondidinha escrito “Lavatory” (Lavatório) e que era de uso exclusivo de Churchill – ou seja, mais uma das regalias de ser um primeiro ministro. Só que, bem, não era um lavatório, e sim uma sala secreta com uma linha direta de telefone com o Presidente dos Estados Unidos – por assim dizer, a primeira “hot line” do mundo!

O sistema, mais que super secreto, era também de altíssima tecnologia. Um sistema de codificação instalado na sala simplesmente captava cada palavra que Churchill dissesse, criptografava, enviava a mensagem criptografada para uma unidade maior (que ficava escondida em um bunker debaixo da loja Selfridges, na Oxford Circus) e de lá a mensagem seguia por sinal, codificada, para o presidente americano – na ponta de lá o mesmo equipamento decodificava a mensagem e dava as informações claramente para ele. E vice versa.

A razão de criar essa sala secreta de comunicação dentro de um “banheiro” foi idéia do próprio Churchill, que queria garantir que sua comunicação não vazasse por “ouvidos alheios”. E nada mais não-suspeito que um lavatório, né?

Curiosidades:

  • Dizem os relatos que, apesar de toda a tecnologia de ponta para codificar a mensagem entre os dois líderes mundiais, a parte mais difícil mesmo era fazer um conversar com o outro. Nenhum dos dois queria “ficar esperando” o outro chegar para atender o telefone, e cada um só dizia que atenderia a chamada quando o outro já estivesse lá. Apesar dessas picuinhas iniciais, Churchill e Roosevelt se tornaram bons amigos depois (afinal, os dois passaram pela mesma séria provação juntos, que era a de liderar uma grande guerra). Dizem que Churchill, que não era de mostrar muita emoção, lamentou bastante a morte do amigo.
  • Roosevelt achava que a voz do Churchill quando ele gritava no telefone era parecida com a do Donald Duck. Relatos dizem que ele costumava se segurar para não cair na gargalhada e permanecer sério.
  • E já que estamos falando de banheiros: Enquanto Churchill tinha um “lavatório fake” e um de verdade perto dos quartos de onde dormia, e os altos oficiais também tinham banheiros melhorzinhos, toda a equipe que trabalhava no bunker (secretárias, digitadoras, marines, empregados) tinham que se contentar com privadas químicas, basicamente latões com assentos sanitários, e sem descarga. Para ir num “banheiro de verdade”, só subindo dois andares para a superfície. Se tivesse rolando um bombardeio, o jeito era se contentar com o latão mesmo.

Curiosidade 4: todo mundo dormindo confortável… só que não.

Nem parece tão ruim, né? Bom, realmente não era, pelo menos para os oficiais de alto escalão. Esses tinham quartos particulares como esse da foto, com direito a mesa de trabalho, armário, uma cama relativamente confortável e, luxo dos luxos, tapete no chão (algo que hoje aos nossos olhos parece bobo, mas durante o esforço de guerra tapetes eram considerados algo super supérfluo). Ah, reparem no “penico” ali também – muito melhor do que dividir os tais quatro banheiros químicos que todo mundo usava.

A situação das outras pessoas que trabalhavam no bunker era bem diferente: secretárias, datilógrafas, assistentes, telefonistas, e todo o resto da equipe que trabalhava no suporte do monitoramento dos mapas e das ordens de comando. No subsolo do bunker ficava algo que eles chamavam – não tão carinhosamente – de “dock”. Era basicamente um porão comprido, com um teto muito baixo (era preciso andar abaixado) e por onde passavam a tubulação e fiação. Por isso mesmo, era úmido, abafado, extremamente quente, sem ventilação nenhuma e cheio de ratos e baratas. Os banheiros químicos começaram a ser colocados ali, mas com o tempo – e com a intensidade dos bombardeios durante à noite, o dock começou a ser usado com frequência como dormitório do resto da equipe.

Curiosidade: 

  • No Cabinet War Rooms há vários relatos de pessoas que trabalharam e dormiram no local durante a guerra, e eu acho esses relatos a parte mais interessante. Num deles, uma jovem que trabalhava como datilógrafa conta que estava fazendo uma entrevista com um dos oficiais do exército, no que ele comentou: “Você sabe que o rio Tâmisa passa aqui bem pertinho, correto? Você sabe que, se cair uma bomba ali, todo mundo que estiver no bunker vai morrer afogado em questão de minutos”.
  • Muitas pessoas não aguentavam dormir no dock por mais de algumas noites seguidas – até porque não tinha espaço de cama para todo mundo. Então alguns preferiam se arriscar e ir andando para casa sob os bombardeios, e voltar para trabalhar na manhã seguinte. Há relatos, inclusive, de pessoas que preferiam dormir na rua, se acomodando com seus lençóis e travesseiros em qualquer canto seguro. O pior mesmo, segundo o relato, era conseguir tapar os ouvidos do barulho dos aviões e das bombas e tentar dormir!
  • O próprio Churchill não gostava de dormir no bunker (e olha que o quarto dele era o melhor de todos). Durante toda a Guerra, ele só dormiu ali umas 3 noites, e preferia voltar para casa – mesmo com todos os riscos.

Curiosidade 5: a Sala dos Mapas que parou no tempo e os cubos de açúcar

De todas as salas do bunker de Churchill, foi essa que eu achei mais interessante! Porque se todas as salas ainda conservam um ar meio tenso, muito próximo do que era quando a guerra estava rolando, a sala de mapas é uma exceção porque ela está organizada EXATAMENTE do jeito que foi deixada no dia 16 de agosto de 1945, um dia depois que a rendição do Japão foi assinada e finalmente quando as luzes da sala foram apagadas pela primeira vez desde que a guerra começou.

Como funcionava: 5 homens trabalhavam em cada turno, sendo uma para cada força aérea militar (exército, marinho e aeronáutica), um oficial do ministério de segurança interna e um oficial responsável. O trabalho deles era reunir toda a inteligência de guerra e todas as situações que estavam acontecendo, em tempo real, em todos os cenários da guerra. Muitas dessas informações vinham por telefones localizados na mesa central, cada telefone de uma cor diferente: os telefones brancos eram conectados com as salas de guerra das três forças armadas, telefones verdes eram conectados com os serviços de inteligência e os pretos com ligações externas. Era com base nessas fontes de informação que eles desenhavam e redesenhavam mapas e preparavam relatórios diários sobre o andamento da guerra para o primeiro ministro e para todas as suas equipes.

E falando nisso, o mapa ao fundo da sala de mapas que é a parte que eu achei a mais interessante – não pelo que está ali, mas pelo que não está: cada furo no mapa, que dá para ver na foto, é uma história. E na maioria das vezes, uma história bem triste.

Teve dois momentos que quase fizeram a Inglaterra perder a guerra: um deles foi durante a parte pesada dos bombardeios a Londres e o que eles chamam de “a Batalha da Bretanha”, em que as forças aéreas inglesas e alemãs se digladiavam nos céus sobre o Canal da Mancha. E a segunda, bem, foi com o ataque dos U-boats, os submarinos alemães que destruíram vários navios das frotas inglesas e americanas que traziam pessoas, suprimentos, comida e armas dos Estados Unidos para a Inglaterra (especialmente antes dos Estados Unidos entrarem na Guerra). A marinha britânica ainda não conseguia desenvolver seu sistema anti- torpedo, e muitos navios, com centenas de passageiros, eram afundados todos os dias. Só para falar de números, o museu conta que no auge da Guerra, de uma frota com 13 navios partindo da costa leste dos Estados Unidos indo para a Inglaterra, apenas 5 chegavam ao seu destino final. A Inglaterra só viraria o jogo nos mares depois de quebrar o indecifrável código Enigma, dos alemães, e assim conseguir deter alguns dos ataques (um filme bem legal que conta a história de como isso aconteceu é o Jogo da Imitação, com Benedict Cumberbatch).

A Sala dos Mapas era onde todas essas informações eram colocadas e era o centro nervoso de decisões de Guerra. Churchill sabia – e todo mundo também – que se caísse uma bomba que destruísse essa sala, a guerra estava perdida. Por isso, ele inspecionava todos os dias a construção e o reforço da mesma.

Curiosidades:

  • Cada furinho do mapa central significa um navio, uma posição nova (dos aliados ou dos inimigos), e pinos coloridos eram colocados para marcar as posições. A sala de mapa funcionava 24/7, e durante os momentos tensos de batalha, os pinos eram colocados e recolocados o tempo todo, numa atmosfera tensa. Por exemplo, quando uma série de pinos eram colocados marcando um comboio, a remarcação deles nos mapas era acompanhada com muita apreensão – um pino retirado significava um navio afundado e mais de 300 pessoas mortas.
  • Um dos depoimentos mais interessantes é de uma moça que foi pega fazendo desenhos de flores na borda de seu relatório (assim como as vezes ficamos rascunhando em bordas de cadernos, distraídos) e foi chamada para desenhar na sala de mapas. O papel dela era desenhar pequenos códigos para serem colocados nos mapas: pequenos submarinos, bandeiras inglesas, suásticas… e cruzes. Segundo ela, os turnos em que ela desenhava muitos desse último item eram os dias mais difíceis.
  • Em 1980, quando os organizadores do museu foram abrir algumas das gavetas desta sala (fechadas desde o término da guerra), eles se depararam com três cubos de açúcar, intactos – provavelmente colocados ali por alguém que trabalhava na sala, como um pequeno tesouro, já que açúcar era extremamente escasso por conta do esforço de guerra. Os cubos estão expostos sobre a mesa.

Visitando o Cabinet War Rooms

Dias e horário de funcionamento: Todos os dias, de 9:30 às 18

Onde: Clive Steps, King Charles, Westminster, Londres. A estação mais próxima é a de Westminster.

Duração da visita: uma hora e meia é suficiente lá dentro, mas repare que pode ter uma fila na hora de entrar, especialmente em alta temporada!

Ingressos: Eu super recomendo comprar com antecedencia – quem deixa para comprar na hora fica numa fila bem demoradinha para entrar, e impraticável em períodos de alta temporada. Compre os ingressos aqui.

Melhor horário para ir: Tanto faz! Nos períodos de alta temporada ele vai ficar cheio em qualquer horário do dia (dito isto, pode ser que no fim da tarde, umas duas horas antes de fechar, pode dar uma aliviada!

Tours guiados: Tem tour guiado por ali? Tem sim, e é um dos nossos preferidos – você pode combinar uma visita guiada nele com um tour em Westminster (e temos uma versão desse passeio para crianças também, para já ensinar aos pequenos sobre o assunto!).

Ou, se você prefere uma imersão em história da II Guerra, considere fazer nosso tour diferentão I e II Guerra, que é um combinado deste passeio com o Museu Imperial de Guerra, que é sensacional e um mergulho bem aprofundado nas histórias, bastidorese no desenrolar da I e II Guerra.

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